Pequenas doses de arnica
Chegou guiada pela dor. Uma dor aparentemente física, mas, na
verdade, era a alma o que lhe doía.
- Para
uma alma fraturada, pequenas doses de arnica, ele dizia.
Foi assim que eles se conheceram, entre
muitos tipos de dinamizações.
Ela não sabe dizer se chovia ou fazia sol, sabe
apenas que imaginou reconhecê-lo através de um despretensioso esbarrão em uma
rua qualquer da cidade. Mas não, uma pequena fratura, uma dobradura da alma e
ele estava ali, diante dela, ao alcance de suas mãos.
Ele não; ele soube dela assim que a viu
naquele dia. Soube de todos os seus significados; o pescoço à mostra, o desenho
da cintura e o discreto jeito de, ao mesmo tempo em que lia, acompanhá-lo com
um olhar de quem interpretava cada linha dele.
E era sempre assim. Às vezes, ela em pé,
parada na porta, e uma das mãos dele,
como se distraída, resvalava as coxas dela. Outras vezes, um carinho que ele
fazia em uma das mãos dela levava-a a esquecer, por alguns segundos, possíveis
tragicidades escritas ali. Ela sentia medo dos caminhos que aquelas linhas
indicavam, por isso escondia ao máximo o grande número de riscos que suas mãos
traziam.
Ela nunca lhe contou, mas, certo dia,
seus pulsos arderam, desejando um leve corte de veia e a viva temperatura do
sangue, porém, meio sonhando, meio acordada, teve a impressão de que ele acariciava-lhe os pulsos
que ainda ardiam, mas agora de outra querência.
Ele, por sua vez, silenciosamente,
desejou falar de seu querer por ela. Nesse dia sim chovia forte e nenhum dos
dois mencionava sequer palavra. Música só a dos grossos pingos d’água caindo
sobre as telhas. Ele deixava que seus joelhos esbarrassem nos joelhos dela, na
busca de falar de sua proximidade. Suas mãos, quis pousadas sobre as coxas
dela, desta vez propositalmente, conscientes do que faziam, queriam e diziam.
Dono de seu desejo as levaria até os
fartos quadris da mulher e as repousaria ali na junção entre as coxas e o
ventre.
-Ah se pudesse perguntar qual perfume ela usa que
deixa esse cheiro assim forte e doce ao mesmo tempo, ele pensou.
Mas a tal da ousadia só nos visita em
sonho, nesse estado meio de transe, quando não temos mesmo consciência de quem
somos. Não perguntou, restou-lhe imaginar-se tocado por aquele aroma que vinha
dela ou da terra molhada pela chuva, já não sabia. Ela possuía a cor da terra,
cor de barro molhado. Seus seios que pareciam moldados por uma artesã estavam
ali ao alcance de suas mãos. Ele ainda tentava disfarçar o suor que lhe
escorria pela testa, mas não tinha mais jeito. Ela deitada, ele sobre ela, os
pingos da chuva sobre as telhas...
Jussara Santos
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