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quinta-feira, 5 de abril de 2012


Pequenas doses de arnica

Chegou guiada pela dor.  Uma dor aparentemente física, mas, na verdade, era a alma o que lhe doía.
- Para  uma alma fraturada, pequenas doses de arnica, ele dizia.
Foi assim que eles se conheceram, entre muitos tipos de dinamizações.
Ela não sabe dizer se chovia ou fazia sol, sabe apenas que imaginou reconhecê-lo através de um despretensioso esbarrão em uma rua qualquer da cidade. Mas não, uma pequena fratura, uma dobradura da alma e ele estava ali, diante dela, ao alcance de suas mãos.
Ele não; ele soube dela assim que a viu naquele dia. Soube de todos os seus significados; o pescoço à mostra, o desenho da cintura e o discreto jeito de, ao mesmo tempo em que lia, acompanhá-lo com um olhar de quem interpretava cada linha dele.
E era sempre assim. Às vezes, ela em pé, parada na porta, e  uma das mãos dele, como se distraída, resvalava as coxas dela. Outras vezes, um carinho que ele fazia em uma das mãos dela levava-a a esquecer, por alguns segundos, possíveis tragicidades escritas ali. Ela sentia medo dos caminhos que aquelas linhas indicavam, por isso escondia ao máximo o grande número de riscos que suas mãos traziam.
Ela nunca lhe contou, mas, certo dia, seus pulsos arderam, desejando um leve corte de veia e a viva temperatura do sangue, porém, meio sonhando, meio acordada, teve a  impressão de que ele acariciava-lhe os pulsos que ainda ardiam, mas agora de outra querência.
Ele, por sua vez, silenciosamente, desejou falar de seu querer por ela. Nesse dia sim chovia forte e nenhum dos dois mencionava sequer palavra. Música só a dos grossos pingos d’água caindo sobre as telhas. Ele deixava que seus joelhos esbarrassem nos joelhos dela, na busca de falar de sua proximidade. Suas mãos, quis pousadas sobre as coxas dela, desta vez propositalmente, conscientes do que faziam, queriam e diziam. Dono de seu desejo  as levaria até os fartos quadris da mulher e as repousaria ali na junção entre as coxas e o ventre.
-Ah se pudesse perguntar qual perfume ela usa que deixa esse cheiro assim forte e doce ao mesmo tempo, ele pensou.
Mas a tal da ousadia só nos visita em sonho, nesse estado meio de transe, quando não temos mesmo consciência de quem somos. Não perguntou, restou-lhe imaginar-se tocado por aquele aroma que vinha dela ou da terra molhada pela chuva, já não sabia. Ela possuía a cor da terra, cor de barro molhado. Seus seios que pareciam moldados por uma artesã estavam ali ao alcance de suas mãos. Ele ainda tentava disfarçar o suor que lhe escorria pela testa, mas não tinha mais jeito. Ela deitada, ele sobre ela, os pingos da chuva sobre as telhas...
Jussara Santos


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