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segunda-feira, 2 de abril de 2012


Não passaria de hoje

Todos os dias dizia que não sairia mais às pressas para encontrar-se com ele. Mas não tinha jeito. Bastava o telefone tocar e lá estava ela a tomar banho,  a vestir a melhor roupa, a chamar um táxi e ir ao encontro dele.
Mas, desta vez, jurou que se ele ligasse, terminaria tudo. Sairia com ele, mas para romper pessoalmente. Sempre soube que ele a namorava e também a outras três. Dizia que não se apaixonava por nenhuma delas para não comprometer seu casamento.  Porém, dessa vez, ia terminar, estava segura disso.
Assim, quando o telefone tocou e do outro lado da linha ele disse que passaria para pegá-la, não teve dúvidas: disse sim. Afinal, ia romper o relacionamento. Tomou o melhor banho, perfumou-se, pôs a saia mais curta que tinha e plantou-se frente ao interfone. Não quis descer para não ter de ouvir as cantadas baratas e os galanteios de Seu Egídio, o porteiro.
Por causa do calor e por causa da demora dele (seria de propósito? ela pensou) já transpirava mais do que queria. As mãos, os pés, melhor trocar os sapatos. Pôs os tamancos. Não suportava aqueles saltos, mas ele gostava de ver seus pés à mostra. Dizia que nunca vira pés tão bonitos e delicados. Mas e os pés das outras três? Ou elas não teriam pés (pensou). Bom, isso  não importava mais.
O interfone toca, ele está lá. Era hoje ou nunca. Uma olhada rápida no apartamento, sai. O elevador não ajuda. Ela tem pressa, quer ver-se logo livre daquilo. Parte ruidosamente pela escada mesmo.
Ela só não contava com a surpresa que lhe reservava um de seus tamancos.
Um salto que quebra. Um escorregão em um dos degraus. Mãos suadas ainda tentam um corrimão. Desequilíbrio.
Nada fazia aquele corpo parar de rolar escada abaixo. Só mesmo o fim da escada.
Atônito com o que vê, Seu Egídio traz, junto ao peito, um dos tamancos e a pequena bolsa da moça.
Movidos pelo barulho moradores começam a chegar na portaria.
Seu Egídio ainda busca compor o corpo daquela a quem dirigia galanteios. Cobre-o com seu paletó.
Hoje, é, não passaria de hoje.
Jussara Santos

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