Chegou a dizer que não gostava mais dela.
Disse, certa vez, que estava ali até hoje apenas por
protocolos sociais.
Ele, lendo seu jornal, e ela querendo falar de amor, ela
querendo rir.
Rir de quê, se ele não gostava mais dela.
Mas, hoje, naquele quarto escuro,assentado ao seu lado, não
conseguia largar sua mão.
No quarto escuro, quis sentir seu perfume adocicado. E não é
que depois de muito sentiu. Pode
acreditar, é verdade.
Durante dias tentou resgatar o instante em que a viu pela
primeira vez.
Ela, parada na rua,
esperando o sinal verde e, de repente, o sol sobre ela. Os dois uma única
claridade. Atravessou a rua também.
Depois vieram as famílias, os amigos e o para sempre.
Não tiveram filhos, deviam?
Tentou resgatar o calor da mão dela.
Todas as vezes que a banhou, ela já doente, lembrou-se dos
banhos que tomaram juntos. Lembrou-se de beijar-lhe da nuca ao cóccix, e ambos
arrepiados, ambos satisfeitos.
Agora, tenta entender porque abriu mão, aos poucos, desses
momentos.
Pôs-se velho, quis o pôr do sol da velhice, foi quando olhou
as rugas dela e viu que eram as suas rugas. Cada ruga, um significado.
Quis resgatar uma a uma.
Quando ela, lentamente, largou a mão dele, ele foi até a
janela, abriu as cortinas.
Coincidência ou não, o sol estava lá.
O sol invadiu o quarto
e pairou novamente sobre ela. E era a mesma luz do primeiro dia e eles uma
única claridade.
E talvez já não fosse tão mais velho, talvez não tivesse mais
rugas, talvez dissesse que gostava dela, dissesse que não estava ali por
protocolos sociais, dissesse do quanto era bonita, dissesse da saudade,
dissesse: - ainda dá tempo?
Jussara Santos
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